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Foto do escritorJoão Theodoro

Tik Tok: o Reino da Imbecilidade

Atualizado: 29 de set. de 2023


Artista tibetano, "Mahasiddha Ghantapa and the Great Flood", séc. XVIII.

Quem não é parvo e observa com atenção os acontecimentos políticos e culturais que se têm visto, nota que os gostos e preferências da humanidade têm sido levados a um caminho antinatural, isto é, a um caminho progressista. Homens que se dizem mulheres e querem impô-lo ao mundo, mulheres que se dizem homens, e homens ainda que se dignam discutir com tais indivíduos como se fizessem alegações razoáveis e não estivessem antes dizendo ser o que manifestamente não são. A integração forçada de povos de culturas mui diversas, a imputação nos filmes de virtudes masculinas nas mulheres e de fraquezas femininas nos homens, e tudo o mais que você já está cansado de saber e aborrecer.


Todas essas coisas parecem ser do tipo que nenhum povo as adotaria de livre talante, mas teria que ser levado a elas por alguma força externa e maligna, por serem assaz atentatórias ao bom senso e perniciosas à paz e à prosperidade. E vendo-se que semelhantes coisas são inculcadas nos mais estimados produtos das mais abastadas indústrias da arte e do entretenimento, a saber, o cinema, a tevê, a internet e a música, e sabendo-se que tais indústrias são controladas por bem poucos homens, e que é através delas que um povo forma a sua mentalidade, e ainda que esses bem poucos controlam também a política, conclui-se que os caminhos percorridos pelos muitos têm sido pavimentados pelos poucos, e o embrutecimento geral da humanidade é propositado.


O Tik Tok é tanto efeito como causa dessa imbecilização geral.


Quando afamou-se, e vendo eu cá por fora que se tratava de necedade, e das tão grandes que nem quis dignar-me conhecer, decidi ignorá-lo, não obstante na época se dissesse que era um caminho sem volta e que todo trabalhador digital deveria usá-lo. Porém, nessa mesma época eu havia contratado um social media, o qual insistiu que eu o usasse, nem que fosse só para conhecer, e cedi ao rogo.


Tendo-o baixado e conhecido, a minha primeiríssima impressão, que inclusive comuniquei ao agente, foi esta: que nunca em toda a minha vida neste mundo eu vi tão grandes necedades em tão curto tempo. Pareceu-me tão estúpido tudo o que vi ali, que o YouTube, que já é basto de tolices, afigurou-se-me um verdadeiro Liceu de Aristóteles ou Academia de Platão. Se o YouTube é o Sol, o Tik Tok é Antares. E se, como é aplicativo de celular, fosse arma de guerra, decerto seria das que findaria a pugna por lobotomizar o adversário, e de tal efeito que não serviriam os vencidos nem como escravos. Mui bem servirá esse aplicativo à humanidade se algum dia o excesso de inteligência for um problema. Mas, já sendo escassa, serve ele então para apressurar o fim dos tempos. E não será tal fim por morrerem os homens ou destruir-se a Terra, mas por não haver mais nela nenhum ser humano capaz de atinar para coisa alguma que requeira atino, de sorte que o mundo vai acabar por não haver quem o represente no entendimento.


Em breves segundos no aplicativo eu já senti minha inteligência sendo escoada de maneira preocupante, como por efeito de alguma atra necromancia. Logo de início eu vi uma gorda dando pulinhos para balançar os peitos, e eram tão enormes que quase me saíram da tela e vieram ter comigo. E de mais nada me lembro, mais nada fui capaz de reter, porque saí dali tão depressa que foi como se estivesse fugindo. Não como fugisse de canibais que quisessem comer minha carne, mas de alguma doença que quisesse possuir meu cérebro.


Se fosse comida, como é aplicativo, digo que seria junk food, e tornaria obeso quem a consumisse. Mas, sendo entretenimento, e, por melhor dizer, alheamento, torna quem o consome demente e embotado. Assim como não se deve comer qualquer coisa indiscriminadamente, assim também não se deve consumir qualquer conteúdo de maneira leviana, sob pena de emburrecer-se.


E nunca vi instrumento mais eficaz para tal finalidade. Se houvesse, de fato, uma competição de burrice, era ali que os competidores se aprimorariam até à excelência. Causa-me alguma admiração que muitos de seus usuários não tenham notado esse efeito deletério do aplicativo, até os que não são burros, e estejam se permitindo utilizar um sistema cujo próprio mecanismo, afora os conteúdos, os emburrece. Um desses usuários me falou certa vez que o aplicativo não exibe qualquer coisa a qualquer um, mas conforme a preferência do usuário. Se fulano gosta de assuntos voltados a astronomia, é o que verá; se beltrano de culinária, igualmente. Mas ponderei-lhe que não é a qualidade dos conteúdos que importa, senão o fato de serem rápidos e sucessivos, avultando uma enxurrada de informações que desacostuma o cérebro para as atividades mais delicadas e detidas, sendo nestas onde encontra o seu melhor alimento.


Trata-se, com efeito, de informações inúteis que nada ensinam. Conhecimentos e habilidades humanos de valor são sempre aprendidos com longo e esmerado estudo e treinamento. Já vídeos curtos nada agregam, apenas distraem. Idiota é quem se sente aprendendo alguma coisa ali.


Não digo que não vejo vídeos curtos. Posso dizer que tenho o meu quinhão nessa riqueza. Tanto os vejo como os compartilho, mas com tanta moderação que só me fazem bem, já que o veneno reside na dose. Nem preciso policiar-me para sair deles, porque, de certo ponto em diante, aquela atividade néscia e repetitiva começa a me enfastiar e me angustiar, e isso acontece tão rapidamente que de ordinário não perco nem um minuto ali.


A pessoa que se acostumou com o mecanismo de vídeos curtos tornou-se incapaz de consumir material que verdadeiramente enriquece. Nada que vale a pena no mundo é construído em segundos. Tudo que tem valor leva tempo. Um adolescente viciado em informações rápidas e mastigadas jamais será capaz de ler um Machado de Assis ou de assistir a um Martin Scorsese. E como é nos conteúdos longos e elaborados que se expande a cultura e se alteia a inteligência, resulta que se formará idiota.


O advento das lives de NPC é fruto desse processo de imbecilização, e é um fruto tão gordo, que até os donos do mundo ficaram impressionados e com medo, dizendo: “Fizemos o nosso melhor para sabotar a educação e criar homens fracos, mulheres insolentes e um povo burro e analfabeto. Empenhamo-nos, e estamos orgulhosos de nosso empenho, mas jamais pensaríamos que algo tão aberrante pudesse resultar de nossas ações; nunca imaginamos que o ser humano pudesse cair tão baixo a ponto de oferecer e patrocinar uma atividade tão decadente que fizesse os povos humanos primitivos parecerem o pináculo da civilização. Estamos com medo”, continuariam, “com medo de ter exagerado em nossa diligência e já não possuir nada digno de ser dominado. Por que de que vale imperar sobre um oceano de almas mortas?”.


É uma suposição, mas verossímil, porque foi tão grande a estultícia, e de tal magnitude, que o próprio Tik Tok achou por bem banir as lives, alegando se tratar de “ações muito repetitivas, não autênticas ou degradantes”. Ora, imagine a plataforma onde o retardo mental é recompensado dizer que sua conduta está repetitiva e degradante. Imagine ser considerado mongol na terra onde o padrão de dignidade é dançar funk. Imagine o reino da imbecilidade ter de frear os súditos porque foram longe demais.


 

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