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Contra a Religião da Alta Performance

Atualizado: 9 de mar. de 2023



Quando, em 2016, comecei a estudar desenvolvimento pessoal, descobri a arte da Alta Performance, que quer dizer a capacidade de produzir mais em menos tempo. Tornei-me obcecado por isso, colocando em prática tudo quanto pudesse para extrair de mim o máximo potencial.


Mas de onde, em primeiro lugar, surge o desejo de alta performance? Creio que essa ideia – obsessão, eu diria – é ainda uma reverberação da mentalidade oriunda da Revolução Industrial, que entende o homem como uma máquina e a produtividade como seu único e suficiente propósito.


Hoje o homem é muito mais livre, do ponto de vista material, do que antigamente, mas do ponto de vista mental continua sendo um escravo, cujo único objetivo é produzir.


Na Índia o ócio é uma virtude – talvez por isso sejamos aqui muito mais ricos –, ao passo que no ocidente é um vício, e um homem só é respeitável na medida em que é capaz de gerar receita. Aqui, um homem vale tanto quanto possui, alcançando patamares sociais mais elevados à medida que angaria mais bens, inobstante o que possui na alma, que, aliás, quão mais elevada, menos tende a prosperar.


Os homens interpretam a vida erroneamente e creem que para Ser precisam Ter. O valor do sujeito reside inteiramente em sua capacidade de produzir e comprar. Some-se a isso o fato de que o maior anseio do homem é justamente Ser – bem como seu maior medo é Não Ser – e tem-se enfim uma corrida ensandecida em direção à máxima produtividade. Lá do céu os deuses riem-se disso, vendo esses tolos passar a vida inteira correndo atrás do próprio rabo.


Não diferentemente de meus irmãos, fui criado assim, crendo que meu valor dependia do quanto eu levava no bolso, e por isso caí no crasso erro de buscar a performance mais fluida e maquinal possível. Embora em tese eu fosse livre, tinha horário para acordar, comer e dormir, ao qual seguia com tal obrigatoriedade, que se diria ser eu devoto de alguma seita. Parece que, tão afeito está o homem em ser escravo, que na ausência de um senhor ele mesmo se subjuga.


No que respeitava a hábitos, os meus eram os mais rigorosos. Até os momentos de descanso eram constrangidos pelo peso de ter de descansar. Todas as ações tinham de possuir um fundamento na alta produtividade, de modo que o prazer existia somente para que se não ficasse louco, e a única coisa proibida era o desperdício.


No auge desse rigor, fui acometido de cinco doenças, que me tomaram todas de uma só vez, todas na mesma semana e de naturezas diversas, de dengue a dor nas costas, mais um surto de choro “sem motivo”. E no entanto, eu pensava: “Como pode haver doença em um corpo tão bem cuidado?”. Sucede que a doença nunca está no corpo, mas apenas os sintomas. Falarei sobre isso em outra oportunidade.


Eu seguia regras tais como só acordar às cinco da manhã durante a semana, só tomar banho gelado, ler um pouco todos os dias, meditar todos os dias, não me masturbar, quase não comer açúcar e outras coisas que às vezes eu incluía e às vezes eu retirava da rotina – tudo isso porém com eventuais não cumprimentos que me doíam como se tivera cometido um pecado. O conjunto desses hábitos não é extraordinário em si, nem nenhum deles o é em particular – exceto a retenção seminal, disciplina penosa que exige extrema força de vontade. No entanto, o peso de se obrigar a seguir todos eles, esse peso sim é grande e me causou todas aquelas doenças.


Obrigatoriedade essa seguida sob pena de quê? Sob pena de estar “atrasado” frente à sociedade, de ver a si mesmo como preguiçoso, de não estar dando o seu melhor, de fracassar e, portanto, não ser amado.


A grande armadilha era esta: se o conjunto de hábitos de alta performance não estivesse dando certo e eu continuasse me sentindo mal e cansado, isso só poderia significar que eu não o estava aplicando corretamente e deveria portanto me disciplinar ainda mais. Para o ocidente, a saída nunca é desistir, e sim forçar mais, até o balão estourar. Há pessoas que viram paralíticas de tanto estresse, outras sofrem um AVC, outras se deprimem ou comem até ficarem obesas. Ninguém jamais desconfia que a saída possa ser abrir mão do anseio. Mas não, isso seria “pensar pequeno” e “ser medíocre”.


Nessa época, eu tinha consciência das críticas feitas à religião da alta produtividade. Eles diziam justamente que tamanha autocobrança só pode originar doenças psicossomáticas. Eu não discordava disso, mas cria que cada indivíduo precisa de uma mensagem específica em determinado tempo. Pessoas que estão se cobrando demais precisam ouvir um mestre espiritual que pregue o total desapego, e pessoas que querem progredir materialmente precisam de um coach.


Não há nada de mais em entregar-se àquilo de que se julga necessitar em determinada fase da vida. O problema é que ao culto da alta performance tornou-se uma religião obrigatória para todos os membros da sociedade, sob pena de se estar louvando a mediocridade.


Eu creio entender por que as coisas ficaram assim. O modo mais comum de pensar sempre foi aquele segundo o qual se deve permanecer no mesmo patamar social de onde saiu, sendo impossível ou muito difícil conquistar um status superior. Graças ao capitalismo, essa realidade estamental foi parcialmente dissolvida, dando oportunidade para pobres ficarem ricos. E hoje essa oportunidade, conferida sobretudo pelo empreendedorismo, vem se tornando de conhecimento comum e tornando-se um mandamento, de modo tal que desejar ser apenas um empregado tem sido visto como um pensamento abominável.


O próximo passo, depois de levarmos o amor à produtividade ao paroxismo, talvez seja retornar ao outro extremo e passar a louvar o ócio e a vagabundagem. Foi exatamente isso que eu fiz, tendo empós, no entanto, chegado a um razoável equilíbrio entre os dois extremos.


Porque o ônus da vagabundagem é nada produzir, o que conduz à dependência e à escravidão. Mas produzir para os outros, isto é, em função de ter um Instagram bonito, também não é liberdade. Urge que tenhamos aquele mínimo de disciplina necessário para construir o que queremos, pois o preço da liberdade é a disciplina. E isso não se trata de escravidão, mas sim de respeitar o fato de que vivemos em um mundo de causa e efeito.


Para que se tenha uma vida de tal maneira, deve-se fazer tal coisa. Isso é simplesmente respeitar a natureza causal do universo, identificando meios eficientes para fins almejados. Entretanto, como altos desígnios não se atingem em um dia, é preciso ser fiel a eles, colocando-lhes um tijolo por vez. A essa fidelidade se dá o nome disciplina.


Mas disciplina não pressupõe alta performance. Esta deve ser vista como um instrumento a ser usado em casos especiais, quando se tem de atingir certos objetivos em menos tempo, e não como um estilo de vida. Se a inércia apodrece os músculos, o frenesi os corrói – a resposta sendo, mais uma vez, o mesotes.



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