Um dos defeitos do cristianismo é ser uma religião dualista, e com isso gerar uma cisão no ser humano, dividindo-o em bem e mal. Deus representa o bem, e o Diabo representa o mal. Contudo, nessa visão, o mal não reside somente em prejudicar alguém, mas até bater uma punheta é considerado maligno.
Na época em que eu frequentava uma igreja evangélica, um irmão me contou de como adivinhou o problema pelo qual estava passando uma irmã que ele conheceu em outros tempos. Disse ele que, conversando os dois, ela quis lhe confidenciar um desafio que estava enfrentando, e ele logo acorreu: “É a pornografia, né, irmã?”. Ela assentiu com vergonha. Ambos então passaram juntos a lutar contra esse mal, orando a Deus.
Quando o indivíduo olha para si mesmo e enxerga duas facetas, uma boa e outra má, e não consegue ajuntá-las em um todo integrado, abraçando sua complementaridade, ele se encontra em uma esquizofrenia que o põe a digladiar contra si mesmo.
Sem embargo da existência real de seres demoníacos, no que eu acredito, o Diabo a que me refiro aqui é aquela figura altamente carismática, simbólica e magnética que todos nós amamos e tememos e que representa o nosso lado carnal.
Lembro-me de que certa vez fiquei intrigado por gostar tanto de personagens de natureza diabólica, como o protagonista da série Lucifer, o diabinho preto do desenho (Des)Encanto e o Mefistófeles do Fausto de Goethe. De início, pensei que eu pudesse estar sendo influenciado por seres demoníacos, mas, investigando mais a fundo, percebi que a atração que eu sentia por essas figuras derivava antes da minha admiração por seu grau de liberdade interior. Esses personagens são tão livres interiormente que podem fazer tudo o que quiserem sem se preocupar com a opinião alheia – e uma tal liberdade assoma-se para mim uma grande riqueza.
Porém, não só desse despojamento goza a figura do demônio. Ele também pode fazer o que quiser sem se sentir culpado, um verdadeiro Santo Graal de liberdade interna. Ele pode se entregar aos mais diversos prazeres sem que isso lhe pareça condenável. Todas as pessoas intimamente desejam isso. E não estou falando aqui de prazeres mórbidos como matar ou estuprar alguém. Estou falando de comer e beber, transar, falar mal dos outros, masturbar-se, zombar e tirar sarro e, principalmente, ter o estilo de vida que desejar.
O seu diabo interior quer ser ouvido, e você o refuta. Mas o poder do Diabo reside justamente em negar que ele já está dentro de você.
Tudo aquilo que jogamos para debaixo do tapete acaba nos controlando. Negar o prazer, a gula, a luxúria, a vaidade, a soberba, o ódio, a inveja, a ociosidade só fará esses sentimentos protestarem mais fortemente ainda dentro de você, até que você lhes dê atenção. Não estou dizendo para você se entregar a eles como um cachorro, porque isso o poria um escravo de natureza pior ainda, mas rechaçá-los de plano só os tornará mais encapelados. Como crianças famintas, eles não pararão de chorar até que você dê atenção a eles. Essa atenção significa observar e aceitar.
Quando o sujeito não faz isso, ele vive dividido dentro de si mesmo, carregando duas vontades antagônicas e sentindo-se culpado por ser um “pecador”. Aliás, que ideia estúpida essa de pecado! Somente um idiota compra semelhante tese. Veja bem, o religioso cria, ou melhor, aceita na mente dele uma narrativa segundo a qual ele próprio é um lixo, que merece sofrer e se lascar na Terra. E, se ele não aceitar essa doutrina, ele vai para o inferno. É um beco sem saída perfeito para o gado.
Um sujeito que vive assim, limitado por uma religião, não atingiu nem sequer o grau da autonomia. Ainda é uma criança no jardim de infância que precisa da tia para dizer a hora de chegar, a hora de sair, a hora de comer e só não determina a hora de cagar porque não é possível. Ele sonha com as promessas de Deus e por isso busca se comportar direitinho para ir para o céu, passando a vida inteira dentro de um quadrado como uma alface hidropônica.
A verdade é que não há diferença entre o mundo material e o mundo espiritual. Melhor dizendo, tudo é espiritual, e a matéria é só uma forma de manifestação da mesma substância que tudo compõe. Quando aprendemos a transcender essa dualidade, sentimo-nos em paz com a nossa natureza e passamos a viver uma vida completa, sem prazeres desmedidos nem restrições angustiosas.
Aí se encontra a verdadeira autonomia, em que se vive não de acordo com a pregação de um sacerdote, mas conforme os ditames da própria consciência.
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