A democracia – o governo dos piores – é uma forma de governo tão fácil de refutar quanto isto: é justo que, dentre três homens, dois decidam escravizar o terceiro? Se respondeis que não, então concordais em que nenhuma democracia é justa, sendo nenhuma democracia menos que a escravização da minoria pela maioria.
E se, tendo em vós a ideia de que semelhante argumento é uma simplificação exagerada, ainda insistirdes na legitimidade de tal forma de governo, digo que oreis por salvar vosso espírito, pois vosso corpo e mente já pertencem ao Diabo.
A figura do Diabo representa a dualidade, e só pode estar mui bem dividido em si mesmo aquele que concorda com a lógica de um lado, e discorda da lógica de outro. Faz-se assim mui propriamente discípulo do Demônio.
Muitos desses discípulos não são sequer luciferianos assumidos, mas declarados cristãos. São cristãos que decidiram imitar a Lúcifer e seguir seu próprio caminho, ignorando tudo na Palavra que fosse contra sua própria vontade. E uma dessas coisas que ignoram é o Não Furtarás, cuja validade suspendem quando se trata do seu verdadeiro senhor: o Estado.
Por que estou dizendo isso? Hei acompanhado um youtuber por nome Douglas Aleodin, um rapaz de nobilíssimo caráter, e bom coração, que conheci graças a seu documentário de quase oito horas mostrando as incoerências da ida do homem à lua. De fato, uma fraude em toda a linha. E defende também esse rapaz que a Terra está parada e no centro do universo, e que tem um criador. Seus argumentos são bons e me fizeram descobrir minha própria ignorância acerca desses assuntos. A Terra com efeito parece obra dalgum demiurgo. Enquanto Aleodin, que é doutor em Física pela USP, atinha-se a semelhantes matérias, assistia eu a seus vídeos e lives com grande gosto. Mas ele tem ainda outra virtude: odiar o Bostil, que é terra de macacos falantes. E, por odiar o Brasil e o que possui de vicioso, ama por conseguinte a nobreza, a honra, a virtude, a educação, a decência e a ordem. E são tais coisas dignas mesmo de serem admiradas. Porém, dando espaço em demasia ao ódio, e sendo inculto em questões de ética e economia, passou a defender uma “ditadura do bem”, pela qual se faria uma espécie de reorganização do país, e que seria então a última esperança do Bostil. Nesses ódios e ignorâncias, deu de flertar com o regime chinês, embora seja anticomunista, e crer cada vez mais na necessidade e legitimidade de um governo autoritário. Não que já não o seja o nosso.
E vendo assim cair o bom Inteligentista em tais pensamentos, quis enviar-lhe um live pix mostrando que estava a defender exatamente aquilo que o sistema queria: a cessão da sua liberdade. “Cedo e transfiro meu direito de governar-me a mim mesmo a este homem” (Hobbes), que é dizer: cedo-me como escravo a estes homens. Crendo opor-se ao sistema, defende sua maximalização. Crendo ser cristão, age como quer o Diabo. Crendo ser honesto, defende o roubo. Crendo ser bom, defende o mal.
Passemos a outro conservador: Jordan Peterson, de quem soube eu ontem que anda a emprestar apoio a Donald Trump. Se o inquirirdes, porém, acerca disso, certamente dirá que não é Trump o presidente ideal, e que possui vícios e coisas dignas de reprimenda, mas que é sem dúvida a melhor opção. E que entre um pau de quinze e um de vinte centímetros, antes que se lhe enfiem o primeiro.
Esse é o problema do tal pragmatismo – que já alhures defini como ausência de princípios. Um quer a maximalização do estupro, impondo a pica que ele deseja; o outro, a minoração do estupro, conquistando o direito a uma pica menor. Nenhum quer a abolição do estupro, talvez porque ambos desejem no fundo ser realmente enrabados. A passividade tem desses encantos. “A passividade é de uma profundidade imensa.” (Skylab) Talvez todo conservador seja um masoquista enrustido. Todo estatista certamente o é, muitas vezes orgulhoso.
Em razão de tais pensamentos e ideias, devemos aclarar-vos sobre o que seja o estado e como ele cresce, numa síntese tão certa quanto apertada, para que vós que me ledes entendais que só há um caminho lógico e justo: a defesa radical, intransigente e inflexível da propriedade privada. Assim começa o raciocínio:
O estado é o monopólio da tomada de decisão. Ora, o sistema onde cada um decide sobre a própria propriedade é a ordem natural. O sistema onde um homem ou grupo de homens decide sobre a propriedade dos outros é o escravismo. Tertium non datur. Não importa se é uma democracia, monarquia, aristocracia ou minarquia. Se a alguém ou alguma assembleia é dado o direito de decidir sobre a propriedade de outros membros da sociedade, com isso se abole a propriedade privada, e se institui a escravidão. A diferença entre uma minarquia e um regime comunista é de grau, não de essência. A ninguém pode ser dado o monopólio da tomada de decisão sem que com isso a todos os outros converta em escravos, dando-se-lhes mais ou menos concessões na forma de “direitos”.
Com efeito, com o estabelecimento de um monopólio judicial, toda propriedade privada se torna essencialmente propriedade fiduciária, i.e., propriedade privada concedida pelo estado. A propriedade privada é só provisoriamente privada, e deixada ao controle privado, i.e., até que alguma lei ou regulamentação feita pelo estado decida pelo contrário, criando então um ambiente de insegurança jurídica permanente e causando um aumento na taxa social de preferência temporal.[1]
O estado sobrevive de tributação, que é parte da riqueza produzida por seus escravos. Considerando que, em tendo mais escravos, mais o estado prospera, ele tem incentivos para crescer, o que significa aumentar a esfera sobre a qual incide sua tomada de decisão (por novos territórios e novos escravos) e diminuir os limites ao seu poder de decisão (por maior controle sobre a vida de seus escravos). Do feudalismo da Alta Idade Média, um sistema relativamente descentralizado, a humanidade degenerou em monarquias, e das monarquias degenerou em democracias. Em uma democracia, uma vez que os administradores só têm quatro anos para explorar os escravos, a preferência temporal desses administradores aumenta, o que é dizer que sua visão se torna de curto prazo. Isso os incentiva a criar políticas populares que favoreçam sua permanência no poder, como o assistencialismo, e abusar do monopólio da produção de moedas, gerando inflação. Políticas populares e inflação aumentam a preferência temporal da população, por desincentivarem o trabalho e a poupança, e criam um povo degenerado, isto é, um povo burro, funkeiro, promíscuo, preguiçoso e ladrão.
Em contraste, somente quando um governo é de propriedade pública (governo republicano-democrático) é que se deve esperar que os efeitos descivilizadores do governo sejam suficientemente fortes para realmente travarem o processo de civilização ou até mesmo alterarem a sua direção, materializando uma tendência oposta (i.e., à descivilização): consumo de capital; retrocesso do alcance e do horizonte dos planos; e embrutecimento e infantilização progressivos da vida social.[2]
O aumento do número desses animais na população gera uma revolta naqueles que se creem de bem e trabalhadores, e esse estado de coisas e sentimento de que algo precisa ser feito para corrigir a situação justificam, finalmente, a tomada do poder por alguém que, subtraindo a liberdade geral, porá ordem na casa. É assim que a falta de autorresponsabilidade do homem, aceitando transferir seu poder de decisão a outrem, acarreta a perda total da sua liberdade.
Não é nem nunca foi o momento para pragmatismos, para escolher o menos pior. Uma vez que se escolha, já se está jogando o jogo do sistema. Defender o político menos pior é aceitar ser escravo. É aceitar as regras do sistema. A única defesa que se deve fazer é a do direito de propriedade privada. É defender que todo homem tem o direito natural de decidir sobre o próprio corpo e sua propriedade justamente adquirida. Qualquer coisa fora disso é dizer que outro deve decidir sobre a propriedade alheia: é roubo e escravidão.
Chamar-se pragmático é a maneira mais sofisticada de declarar a própria ausência de princípios. O pragmático se julga sensato e pé no chão, quando na realidade já entregou o que lhe querem: a anuência de ser explorado.
O conservador moderno – que de conservador só tem o nome – pode até admitir que o anarcocapitalismo seja o sistema ideal, mas a sua passividade inerente o faz rejeitar a autonomia e a soberania em prol de muito prazer anal. E justifica semelhante escolha, não assumindo que não sabe viver sem um senhor, mas dizendo que o anarcocapitalismo é uma utopia, um sistema que requereria uma profunda reforma moral no ser humano. Para ele faz mais sentido, assumindo que o ser humano é corrompido, entregar o poder total a um só, do que proibir qualquer espécie de monopólio. Ele pensa assim: “Bem, o ser humano é mau. Vamos dar todo o poder então a um grupo de seres humanos monopolistas, e que eles façam e apliquem normas a bel-prazer com toda a autoridade. Que delícia, cara! Assim estaremos protegidos do pior.” — “E o que viria a ser o pior, senhor?” — “Ora, que um grupo de seres humanos tome o poder!”
[1] Hans-Hermann Hoppe, “Sobre democracia e descivilização”.
[2] Hans-Hermann Hoppe, Democracia – O Deus que Falhou, p. 71.
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