[Trecho de poema extraído do livro Parnaso Devasso, de Cândido Magnus.]
IV
Diz, escreve e no dorso tatua
Carpe diem levianamente,
Sem saber o que o dito exprime,
Crendo ser latim para “cu quente”.
E, em vez de colher o dia em flores,
Cava angústias e planta rancores.
A sereia o canto lança e o olhar-
-Rede a cair sobre a sala inteira,
Mas preciso e certo é feito arpão
O olhar desleal dessa sereia.
O frio do olhar-arpão lançado
Queima... e depois mata congelado.
“Sou tua” dizendo com o corpo,
Sorrindo submissa e sibilando,
Com o coração já vai lá longe,
Néscio! do teu, que lá vai, já amando...
Ela não quer ser tua consorte,
Mas te seduziu por puro esporte.
VI
Vede, de mãos dadas passeando
Ao ritmo segundo da sonata
Aquele casal é – tão comum –
Do bananão com a mina chata.
Ao que ela diz vai o serviçal
Dizendo: “É mesmo?!”, “É sério?!”, “Legal!”
Na mesma via, em sentido oposto,
Vede, passeando a passo preste,
O casal insano e consagrado
Da moça banal co’o cafajeste.
Com um pouco de grito e porrada
A calcinha logo cai molhada.
VII
O parceiro só de alguns encontros,
Descartável, líquido, instantâneo,
Precisa ser muito nos haveres
E bem pouco ter no vão do crânio;
Que quanto mais perto estiver do alto
Mais longe estará do pé do salto.
Fotógrafo dedicado seja
Das viagens longas que já fez,
E mostre também que come fora
Pelo menos UMA vez por mês.
Eis o sistema que hoje funciona
Com a moça nova até a trintona.
Porém a novinha cobiçada
Confunde e atormenta o próprio diabo,
Pois seu sistema é nenhum sistema,
Em seu sentimento hipervolátil.
Não sabe o que é, não sabe o que quer –
Filha do Caos, a quem faz mister.
Embora linda e embora lindíssima,
É vista com rudes maltrapilhos,
Magrelos, drogados e merdões,
Perigando com os quais ter filhos.
Ama provocar a alheia dó
E, no morros, baforar loló.
VIII
Sob os panos da roupa colada,
Sob a máscara de pó na face,
Saco bípede de carne e pele
Sem tradição, elegância e classe.
Passa nariz em pé, venerada,
Sendo meio burra até calada.
Do outro lado da rua, fedendo
A cigarro, bêbada e mulamba,
A jovem traída pelo pai
Aprende a etiqueta de caçamba.
Bebe e xinga e fala putaria
Imitando os homens que critica.
IX
Nos anos gloriosos da beleza,
Onde pele suave e ricas pomas,
A gatinha bebe e sai de graça
E a dedo escolhe as suas caronas.
Goza do viver dos milionários
Porque dispõe de um milhão de otários.
Tanto abusa do seu auge efêmero,
Antes de chegar da forma o inverno,
Soberba exalando ricamente,
Que se diria o auge ser eterno!
Como viver fosse sempre bela,
Rejeita o varão de bem que a anela.
Mas pouco dura, e logo se vê
Da beleza jovial a aurora,
Que enruga a pele e a soberba faz
Cair como a bunda cai agora.
Enfim, preterida é, nas alcovas,
Por mulheres dez anos mais novas.
Vendo assim que o seu valor venal
Caiu e enjeitada foi na orgia,
À maneira do camaleão
Agora ela quer véu e família,
Valendo-se do trouxa frustrado
Pra sustentar o filho bastardo!
X
O jovem perdido, temeroso
De ser acusado de mil nomes,
Tristemente só escuta gemidos
De mulher agora pelos fones.
Videogames e pornografia
Preenchem e completam sua vida.
Um outro, seguindo outra vertente,
Quer se melhorar, o seu valor
Aumentando por novas virtudes
De corpo e mente e de vencedor,
E nem assim ganha o que compete,
Porque não virou o CR7.
Em desespero, um bando é flagrado
Atrás das escuridões secretas
Da desesperança e da amargura,
Pagando os carinhos das bonecas...
“Parece que nem tem dente!”, um diz,
E um outro: “É só assim que eu sou feliz!”
[...]
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Para mais literatura, veja Parnaso Devasso, meu livro de poesias.
Sinopse: Parnaso Devasso é um livro dual: o autor, ao mesmo tempo que guarda profundo ódio às manifestações da Semana de Arte Moderna de 1922, o que revela sobretudo no poema "Estupradores da Estética", também se reserva o direito de perverter formas fixas e fazer largo uso de imagens pútridas e escatológicas, relembrando a estética de Augusto dos Anjos. Por um lado, Cândido resgata a acepção clássica do Belo, a que se filia com máxima devoção; por outro, exulta a fealdade como fonte igualmente ilimitada de beleza. Os mais diversos temas são tratados no livro: do sexo à morte, de Deus ao Diabo, do mendigo fuçando o saco de lixo em busca de algum pão frio para comer ao belo canto de um pai à sua filha amada enquanto a toma no colo. Tudo isso permeado de irreverência, humor e polemismo, que ele arremata com o brutal "Pornocracia", seu poema satírico em homenagem à mulher moderna. Clique no link e saboreie.
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