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Foto do escritorJoão Theodoro

História do Curso Básico de Escola Austríaca: Apresentação à Segunda Edição


Carstian Luyckx, "Memento Mori", circa 1650.

A vaidade sempre monta uma insidiosa armadilha para o escritor: é que alguns nunca se julgam aptos para uma empresa que pretendem, e acabam por passar a vida inteira se preparando, sem nunca a empreender, e outros, cegos da própria ignorância, a ela se arrojam cedo demais, envergonhando-se depois do trabalho malfeito. Porque tendo a pertencer ao primeiro grupo, jamais imaginaria que teria algum dia escrito um Curso Básico de Escola Austríaca. Mas, ao receber o convite, e vindo em muito boa hora o dinheiro, decidi oferecer ao público, senão o curso que ele merecia, pelo menos o que eu podia.


O mecenas que o patrocinou foi Alexandre Porto, que em verdade também buscava lucro, porque o encomendou para criar um curso online, mas sabemos que é escasso o interesse do público por semelhante conhecimento, de maneira que, querendo ser investidor, fez-se Alexandre benfeitor. Não sei quanto há lucrado, mas por certo não o suficiente para justificar o investimento. Pediu-me que escrevesse em forma de roteiros, donde a ausência, até a metade da obra, de referências bibliográficas, porque pensei que seria a obra ouvida e não lida. Como, depois, antevi que as aulas podiam vir a tornar-se livro, comecei a cuidar de adicionar as referências, para dar seriedade ao trabalho. Mas a pressa em dá-lo ao público me fez lançá-lo do jeito que nasceu, sem os devidos consertos, do que aliás não me arrependo. Para uma segunda edição, contudo, na qual eu já pensava naquele tempo, era preciso fazer essa como outras correções.


Nesta segunda edição, além de ter adicionado as devidas referências, fiz algumas alterações nos textos, algumas coisas colocando, outras tirando e outras ainda modificando, com o objetivo de torná-los mais claros e mais dignos de sua matéria. Após a publicação da primeira edição da obra, eu me envolvi em uma polêmica contra o próprio Porto, disputando com ele sobre se há uma moral objetiva. Dizia ele que sim, e eu dizia que não. O resultado das minhas reflexões foi o ensaio “Praxeologia e Moral: há uma moral objetiva?”, que não demoveu meu adversário de seu parecer, mas cuja forma e teor me agradaram tanto que a anexei à obra. Se andei certo no raciocínio, cabe ao leitor julgar, mas diz bem o ensaio com o todo da obra e parece ser uma conclusão justamente deduzida das premissas e do método austríacos.


O Curso ficou pouco mais de um ano à venda, sem versão gratuita para baixar, como é tradição libertária, porque algum lucro eu quis que se auferisse dele. E fi-lo porque achei injusto disponibilizar gratuitamente, como se fosse meu, um trabalho que pertencia a Alexandre Porto, quem por ele pagou. E o livro, inobstante o valor, teve ótima acolhida e agradou muito ao público, graças a Deus. Neste último ano, foi de longe o livro mais vendido do Instituto Rothbard, apesar do boicote que o site sofreu após denunciar a fraudes da pandemia e das vacinas, o que solapou as vendas do Instituto. Com o lançamento do livro, houve boas vendas, mas logo caíram, em razão provavelmente também da ausência de divulgação, porque nenhum de nós tinha condições ou intenções de continuar escrevendo artigos para promovê-lo, nem muito menos investir em publicidade. Assim, estando já há alguns meses sem vender, e tendo passado mais de um ano do seu lançamento, vi que era hora de lançar a segunda edição gratuita, não sem antes lhe emendar os erros. Sai agora a lume novamente o Curso, menos imperfeito do que nasceu.


E digo imperfeito por não parecer a mãe que só vê canduras no filho. E porque, como diz o ditado, elogio em boca própria é vitupério. Mas, não havendo mais ninguém para elogiá-lo, far-lhe-ei eu mesmo o elogio, e além: compará-lo-ei a obras semelhantes, dizendo em que as supera.


A primeira boa qualidade do Curso Básico de Escola Austríaca é oferecer o conteúdo mais abrangente sobre Escola Austríaca que há, segundo o meu conhecimento, em língua portuguesa. Porque nenhum dos outros livros em nossa língua que visam dar conta do pensamento austríaco trata de sua teoria econômica e ético-jurídica de maneira tão sistemática e completa. A bem dizer a verdade, não tratam sequer das teorias ético-jurídicas, limitando-se à doutrina econômica. O meu estudo de Direito tem me ajudado a discorrer sobre esse outro aspecto. Outra vantagem do Curso é o didatismo, vez que foi escrita para o público em geral, e não somente para o estudante de Direito ou Economia. Embora as obras de Jesús Huerta de Soto (A Escola Austríaca) e Ubiratan Jorge Iorio (Ação, Tempo e Conhecimento) também possuam elevado didatismo, porque é costume dos autores austríacos o serem claros, não creio que se dirijam a um público tão amplo quanto o Curso, cuja finalidade é instruir o leitor ignorante desde as bases até o cume do pensamento econômico, ético e jurídico da Escola Austríaca. E para isso lança mão de um linguajar costumado, sem no entanto deixar de introduzir o aluno nos termos técnicos daquelas ciências, para que os conheça e os saiba aplicar.


Como a minha intenção não era só expor o pensamento da Escola Austríaca, mas também demonstrar por que esse pensamento era verdadeiro, escrevi de tal maneira que uma tese se seguisse naturalmente da outra, em um encadeamento que facilitava a compreensão e convidava à anuência. Apesar disso, a intenção máxima do Curso é ensinar ao leitor como de fato funciona a economia e introduzi-lo à teoria austríaca da justiça. Afinal, mais importante do que concordar é compreender. E só em se compreendendo é possível refutar, coisa que aliás nunca vi ser feita com sucesso contra as teses basilares da Escola Austríaca. Em verdade, as melhores refutações que tenho visto são de um para outro austríaco: Mises refutando Hayek, Rothbard refutando Mises, Hoppe refutando Rothbard.


A propósito de refutações, quando eu ainda estudava a ética argumentativa de Hans-Hermann Hoppe, li todos os artigos que a objetavam, e vi que a maioria das críticas eram más compreensões. E as que procediam podiam ser justamente refutadas, como o fizeram Hoppe, Frank van Dun e Marian Eabrasu. Quanto às polêmicas epistemológicas, àquelas alegações de que a praxeologia é uma pseudociência, por rejeitar o empirismo e adotar o apriorismo, também investiguei essas razões e as tive não só por infundadas como também por tolas. Nunca um conjunto de teses se me afigurou tão sólido e consequente. E é tão seguro e apodítico, que se assemelha a um farol na escuridão. Mas “Pode acontecer todavia que eu me engane, e talvez não passe de um pouco de cobre e de vidro o que eu tomo por ouro e diamantes”.[1] Com efeito é perigoso tomar uma tese, quanto mais uma escola inteira, por absolutamente verdadeira. Tantos homens de tão ingente intelecto se enganaram, por que não haveria eu de enganar-me também? A verdade é que, quão mais em erro alguém se encontra, mais seguro se sente de suas razões. E se não estou tão enganado que as trevas da minha ignorância mo impedem de ver? Porque aquele que está em erro necessariamente se vê em acerto, do contrário se emendaria. Assim, embora eu busque a convicção nas ciências, suspeito de mim mesmo quando a encontro. E foi justamente o que encontrei na Escola Austríaca: por ela partir de proposições pragmático-transcendentais, isto é, de proposições necessariamente verdadeiras, e empreender um raciocínio honesto que infere das premissas as conclusões de direito, eu me vi obrigado a anuir.


Teses tais como a do valor subjetivo, o axioma da ação, a presença inescapável do tempo e da incerteza nos negócios humanos, o decréscimo da desutilidade marginal, o desequilíbrio: como refutar semelhantes teses sem que a própria ação de refutá-las seja uma manifestação in concreto do que elas declaram in abstracto? E contudo não existe o mesmo consenso no que diz respeito à teoria da justiça. Aqui ainda se disputam as bases, não havendo um sistema jusfilosófico tão unânime e completo quanto o sistema econômico erguido por Mises e Rothbard, apesar do reconhecimento amplo da propriedade privada como a melhor norma social possível.


Voltando ao nosso Curso, ele começa com um panorama dos precursores da ciência econômica em geral e da Escola Austríaca em particular, dedica um capítulo à Revolução Marginalista e à desomogeneização dos marginalismos de Menger, Jevons e Walras, expõe as influências filosóficas da Escola Austríaca, apresenta a tradição praxeológica antes de Mises, apresenta o método austríaco e começa a erigir o seu edifício econômico. Descortina o funcionamento desimpedido da economia de mercado e esclarece os efeitos gerais bem como a desnecessidade do intervencionismo, dedicando um capítulo especial ao imposto de renda. Como interlúdio, distingue alguns conceitos e começa a tratar da parte ética. Apresenta as éticas de Mises, Rothbard e Hoppe, dedicando um capítulo especial às inconsistências do utilitarismo. Prossegue, e finaliza, apresentando o que seria a verdadeira teoria da justiça. É importante dizer que, a partir da parte ética e jurídica, algumas ideias não espelham estritamente o pensamento austríaco, constituindo algumas minha opinião, como a definição de justiça e a teoria da pena.


Conclui-se com uma tentativa de convencer o leitor a rejeitar o governo e abraçar a autonomia, e, quando isso não quiser, pelo menos a reconhecer aos outros o direito absoluto à secessão.


O Curso se relança hoje com duas novas qualidades: o brio academicista, na forma de mais de trezentas notas de rodapé contendo as referências bibliográficas, e a versão digital para ser livremente distribuída. E que dele façam bom uso alunos sagazes que encontrem gozo em refutar professores em sala de aula, indivíduos cultos que amem instruir-se na natureza das coisas e acadêmicos independentes que pretendam combater a mentira com a verdade.


 

[1] René Descartes, “Discurso sobre o método”.

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