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Foto do escritorJoão Theodoro

Ascensão e queda do Clube de Literatura do Café no Cocô

Atualizado: 22 de nov. de 2023


António Carneiro, "Camões Lendo 'Os Lusíadas' aos Frades de São Domingos", 1927.

Meu irmão sempre andava com pressa, de tal modo que, quando lhe sobrava tempo, ele esperava mais um pouco, para já começar atrasado. E nessa ânsia de fazer tudo correndo, criou o hábito de terminar o desjejum na privada: fundou assim o Café no Cocô.


Eu descobri isso ao reparar que, com frequência, ele saía para o trabalho deixando a caneca vazia no banheiro, depois de longa estada lá. E pensei: “Quem em sã consciência cagaria tomando café? Esse grão, que é tão nobre, que é tão tradicional da nossa cultura, como poderia alguém profaná-lo misturando o seu aroma com o cheiro de cocô?” E o recriminei duramente em meu pensamento!


Quanto a mim, eu tinha igualmente o hábito de tomar café pela manhã, em geral duas xícaras. No entanto, por infortúnio, costumava acontecer de, na segunda dose, me dar vontade de cagar, e, como eu repugnava a ideia de levar a bebida comigo, ela ficava do lado de fora esfriando. A solução óbvia – qual seja, servir outra dose ­– me parecia absurda, porque três xícaras de café pela manhã, ainda que apenas nominalmente, era demais para mim, e não me caía muito bem!


Certa vez, eu havia acabado de servir a segunda xícara quando me veio a vontade, e o café, naquele dia especialmente, estava delicioso! Então eu pensei: “Por que não?”


E de repente – que maravilha! que experiência! A união de dois prazeres de naturezas tão diversas me ensinou que o mundo pode, sim, ser um lugar feliz! Fiquei revoltado com meu irmão por não ter me alertado antes para o que eu estava perdendo... Um prazer tão puro, tão legítimo, mesclado à mais alta eficiência da produtividade humana, não poderia ser exclusividade de um homem só.


Após divulgar aquela novidade, porém, – o Evangelho do Café no Cocô – eu descobri que a prática já possuía outros adeptos, homens que tinham no momento do Café no Cocô uma afirmação da própria virilidade – da própria liberdade até!


O Café no Cocô não representava mais um mero hábito isolado de um indivíduo querendo fazer duas coisas ao mesmo tempo. Não! Café no Cocô era um estilo de vida, uma religião. Grupos no mundo inteiro se formaram para compartilhar fotos de si mesmos desfrutando daquele momento. Mas não parou por aí.


Anterior ainda ao Café havia a Leitura: um modo de, como diria meu pai, “valorizar a cagada”. Um dia vi-me levando livro e café ao banheiro, mas algo ainda faltava... Faltava comunhão! Porque a alegria só é completa quando compartilhada. E pensei: “Por que não?” Foi assim que mandei instalar uma segunda privada no banheiro, e uma terceira, e uma quarta... E por fim inauguramos o primeiro Clube de Literatura do Café no Cocô!


O Clube cresceu, e em pouco tempo tínhamos sedes espalhadas por todo o mundo, algumas contendo até duzentas e cinquenta privadas onde homens de todas as idades discutiam alta literatura enquanto cagavam e apreciavam o mais nobre café.


Entretanto, o Clube começou a sair do controle quando começaram a aparecer os degustadores de vinho. Logo apareceram os cervejeiros artesanais e o Clube degenerou em festa e jogatina. Os homens não iam mais para os banheiros discutir temas elevados e tomar o melhor café, mas para jogar baralho, ficar bêbados e trair suas esposas. Os Clubes viraram puteiros. “Nada melhor que dar aquela cagada enquanto alguém chupa o seu pau!” Santo Deus! “Truco!”


Algo que era uma celebração da perfeita união entre matéria e espírito se tornou isso... Pedi que tirassem o meu nome da Confederação Internacional do Café no Cocô e com isso muitos outros nomes de peso saíram: Keanu Reeves, Steven Spielberg, Jordan Peterson, Bono Vox. A Confederação não resistiu.


Hoje restam apenas Clubes clandestinos, totalmente desprovidos da pompa e do glamour que ostentavam outrora. E o sonho de um mundo unido por nosso ideal desceu privada abaixo!



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Para mais literatura, veja Parnaso Devasso, meu livro de poesias.


Sinopse: Parnaso Devasso é um livro dual: o autor, ao mesmo tempo que guarda profundo ódio às manifestações da Semana de Arte Moderna de 1922, o que revela sobretudo no poema "Estupradores da Estética", também se reserva o direito de perverter formas fixas e fazer largo uso de imagens pútridas e escatológicas, relembrando a estética de Augusto dos Anjos. Por um lado, Cândido resgata a acepção clássica do Belo, a que se filia com máxima devoção; por outro, exulta a fealdade como fonte igualmente ilimitada de beleza. Os mais diversos temas são tratados no livro: do sexo à morte, de Deus ao Diabo, do mendigo fuçando o saco de lixo em busca de algum pão frio para comer ao belo canto de um pai à sua filha amada enquanto a toma no colo. Tudo isso permeado de irreverência, humor e polemismo, que ele arremata com o brutal "Pornocracia", seu poema satírico em homenagem à mulher moderna. Clique no link e saboreie.

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